terça-feira, 26 de novembro de 2013

O SENHOR DE LUTO - Capítulo Quarenta -

- ESTUDANTE -
- 40 -
- FRANCÊS -
A professora de Francês, Clotilde Novaes, chegou à mansão de Lenira logo cedo da tarde da terça-feira. Mulher extremamente elegante, de certa forma chegando a se tornar alta e um pouco robusta. Era uma pessoa de finos tratos. Clotilde falava pouco e até certo modo bem tranquilo para não dizer falar baixo. Vestes: traje alongado a cobrir bem boa parte das suas pernas. Um organdi, por certo. Cor cinza claro. Meias soquetes pouco longas. Sapato com salto menos alto. Cor do sapato de couro: preto! As vestes cobriam-lhe todo o corpo. Da gola na garganta ao final bem abaixo do joelho. Cintura atada com faixa da mesma peça. Mangas longas. Rosto sério. Óculos escuros a tirar em seguida e colocar óculos claros e de grau. Sua face era extremante larga. Quem beijaria aquela mulher? Ninguém, talvez. Ou um neto, bisneto, tataraneto, por certo. Livros ao braço. Cadernos também. Caneta de classe elevada, talvez francesa. Bem acertado, porém. Duas! Não! Três canetas bico de pena. Sharpie? Indubitável! Lápis de ponta escura. Uns! Três! Nada mal. A virgem moça a olhar o debater da prima-dona com as suas mãos seguras à cabeça um pouco levemente pensa para o lado da feio-bela insistente lente. A se acolher sentada à mesa da sala, a mestra Clotilde foi à luta sem curta conversa insulta.
Clotilde:
--- Venez! – falou a mulher de sua boa estatura.
Nair;
--- Que foi? – indagou assustada.
Clotilde:
--- Rien! – refalou a mestra.
Nair;
--- Eu não falo inglês, francês, polonês! Mal posso dizer falar português. – explicou com pressa. Cara amarga
Clotilde:
--- Très bien! Mas vai falar. Hoje nós começaremos o nosso estudo. De preferencia em francês, para a senhora entender bem. Tudo será francês. Droite? – falou tranquilamente.
Nair:
--- Ave Maria! Onde amarrei meu jegue?! – revirando os olhos.
Clotilde, a professora, a olhou por cima dos óculos de grau e sem sorrir. Cara trancada. Em seguida a mestra declarou a começar por nomes pessoais, como, eu, tu, ele. Depois de algum tempo, verá o nós, vós, ele. E assim por diante, A conversação era o mais importante para uma ninfa igual à Nair. Na França não era pouco o contingente de gente demente, inconsequente, insistente a procurar trabalho em algum porto de pesca ao largo do Mar Mediterrâneo ou Canal da Mancha. E poucos sabiam ler ou escrever. A Guerra trouxe destroços terríveis. Uma coisa de louco.
Clotilde:
--- Truc de fou. – contestou a mestra sem atinar viva alma.
E Nair, coitada, se assustou por completo. Então indagou:
Nair:
--- O que? – fez cara azeda.
Clotilde:
--- Nada. Allez, allez, allez. – (falou tranquila). – Os nomes pessoais: A senhora sabe haver nomes pessoais? – indagou paciente.
Nair:
--- Nomes pessoais? De gente? Ah! Isso eu sei. Tem dona Yayá, ali. – e apontou para a Rua do Motor.
Clotilde:
--- Pardon. Des noms comme la dame. – explicou a mestra sem sorrisos.
Nair:
--- Ave Maria! Fale em português mesmo. Eu já estou ao desmaio! – insistiu com a cara na tábua da mesa.
Clotilde olhou bem e com vagar. Então deduziu ser até melhor começar com as explicações fundamentais. E assim teve início o drama. E foi dessa forma a primeira aula de Nair a aprender o tal chamado chato, arrasado, amassado francês, a língua do gaulês. E a moça, delirante aprendeu a falar com a boca semicerrada o seu: Je, tu, il. Quanto à senhora, Nair deveria falar em outra forma: Dame. Apenas duas horas de três em três dias, pois a senhora Clotilde estava com demais compromissos a executar no restante da semana. Pela manhã, era impossível. Clotilde tinha aulas na Escola Doméstica, a manhã inteira. À noite, preparava as aulas do dia seguinte. Sábados e domingos eram o descanso, o cinema ou o teatro. Enfim, ninguém era de ferro, por certo e com capricho. A “madame” tinha encontros na Igreja onde rezava após a missa domingueira a discutir murmurante o costume social das grandes metrópoles.  
Ao fim da tarde, chegaram da Escola a senhora Clara e a sua filha Lenira. O comandante Ricardo França já estava a voar traçando o velho firmamento brasileiro de cabo a rabo. A ninfa Lenira, delirante e meiga, foi logo, a saber, como esteve à senhora Clotilde no primeiro dia de aula. A sentimental e doce Nair não teve por menos em declarar:
Nair:
--- Um horror! – desatou a chorar.
Estúpida, Nair não podendo falar demais ainda alegou ser a feia e impenetrável mulher experiente em demasia. Contudo, para uma aprendiza, o dado a fazer era lecionar em puro português deixando de lado o tal francês, espécie de idioma arranhando um pouco o latim e demais noções. E as explicações não terminaram uma vez ter a mestra feita questão em se adquirir enciclopédia (Larousse?), cadernos, livros, lápis, canetas, borrachas e cadernetas de apontamentos entre as giletes. Delirantemente a ninfa chorava de tantos arranhões em suas malfadadas etiquetas de formas e desatinos. A sua amiga íntima Lenira pedia a ter paciência, pois tudo, no começo é sempre dessa forma. E com o continuar, os negócios se transformam em casos da passagem de um inicio do melodrama elementar, complementar e acalmar, de fato.
Nair:
--- Eu disse a mestra não ter nem mesmo o primário completo. O diploma não me foi entregue, pois no dia anterior eu rasguei, sem querer, a minha roupa de cabo a rabo! – lamentava a estudante com lágrimas a verter.
Lenira:
--- Paciência! Paciência! Tudo se contorna. Quanto a livros e dicionário eu os tenho de rumas e você pode escolher o tal qual lhe aprouver. – tranquilizou a fêmea a lhe dar um beijo em sua ornada e cheirosa cabeça sem juízo.
O tempo passou. No domingo, Lenira e Nair já estavam à espera do início da sessão de cinema no Cine Rio Grande. A sala não tinha ar condicionado. Quando as portas fechavam, à tarde, ligavam-se os gigantescos ventiladores. Era a forma encontrada de se refrigerar o ambiente. O cinema era amplo. Não ter ar condicionado era o cúmulo, pois em outras cidades do nordeste havia equipamentos dessa forma. As duas simpáticas amigas escolheram o balcão, parte superior da casa (de cinema). Além do mais era local bem tranquilo, apesar de estar repleto de aficionados da arte fílmica. A casa ainda era nova, cheirando a leite. E se exigia trajes completos para homens, rapazes e mesmo de menor idade os quais estivessem presentes inclusive as damas quer estivessem a frequentar as sessões de luxo com ou sem noivo ou namorado. Na verdade, o cinema não era fausto só em comparação com os outros de arte de Paris. Por isso, era comum se ouvir Lenira declarar em tom suave:
Lenira:
--- Eu gostaria de rever uma peça de René Clair. “O Silêncio é de Ouro”. Ou seu mais recente trabalho, “A Beleza do Diabo”. Mas esse é muito novo. – falou comovida com as suas macias e delicadas unhas presa aos dentes.
Nair;
--- E o de hoje? – indagou sem firmeza e leve acanhada.
Lenira;
--- Crepúsculo? É bom. Billy Wilde. Clássico. Onze indicações para o Oscar. Gloria Swanson em destaque. William Holden. Venceu em três categorias: roteiro, trilha sonora e direção de arte. Este é o melhor de hoje na cidade. – falou mansa a ninfa.
Nair;
--- Não entendo nada dessas coisas. É a primeira vez. E tem cores? – indagou surpresa.
Lenira:
--- Não! Não! Não! Preto e Branco. O colorido não passou mais em Natal: “E o Vento Levou”. É filme de 1939 ou coisa assim. Mas tem outros filmes à cores. Você verá. Quando tiver um filme de arte, nós estaremos nesse palanque de acolchoado. Cadeiras duras. Deixa a gente com a “bunda” doendo! – reclamou a bela e suave diva.
Nair:
--- E o médico? – indagou a lembrar do doutor Narcíseo.
Lenira:
--- Ah. Hoje ele telefonou.  E disse estar de plantão. Nós conversamos um bom tempo. Coisas vãs. O homem é um gigante. – sorriu devagar a bela virgem.
Nair:
--- Algo de concreto? – perguntou de forma perturbadora.
Lenira:
--- Não. Não. Não. Conversas. Puras conversas. – relatou a moça a sonhar com as nuvens.

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