- PIANO -
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TEMPOS
O tempo era passado. Em seu lugar
começaram os cantos. Nair encontrou um nome artístico e mudou. Era chamada
então de Ramona Pêra. Nome atraente e básico em um filme de outrora onde o
personagem principal se chamava de Ramona. Tal nome era oriundo de um antigo
romance do mesmo título escrito por Helen Hunt em 1884, um ano antes de sua
morte. Desde que viu esse filme, a senhora Nair Penteado quis modificar o seu
nome mesmo sendo artístico. E assim ficou sendo chamada de Ramona Pêra por quem
não a conhecia de fato. A menina Emma estava com mais de três anos de idade.
Quase quatro anos. E Joel, o irmão, estava com dois anos de idade. A alegria
voltou a casa, em Natal. Nos dias de festa, como natal, carnaval e são João era
desatino de fuzarca. No Carnaval por demais principalmente. Lança-perfumes da
marca Rodouro era o mais usado para os enfeites formais. Passear de automóveis
com os rostos pintados ou deveras mascarados, no corso das avenidas era o tal
ambiente quando era às quatro horas da tarde. Os tormentosos “assaltos” de casa
em casa não parava de emoção. Homens com trajes femininos e a deselegância de
cada qual deixavam os naturais ambientes naufragados em confusão. Os menos
conhecidos já chamavam Nair por Ramona. E era um total desvario infernal. Quatro
dias de folia e ainda eram poucos. À noite eram os loucos bailes da grã-finagem
nas boates de fina classe, como o Aero Clube, Natal Clube, Brasil Clube entre
tantos mais existentes na capital. E sem falar no corso a continuar em plena
noite indo até as dez ou onze horas. E com lança perfume, serpentinas, confetes
entre meios de muito uísque, vinhos e cachaças. Era a loucura a se esvair entre
moços, destintas jovens, adultos e também os anciões de tantos anos. Na mesa, tinham
de tudo nas mansões de gente nobre, desde peru, galinha, guinés e mesmo os
assados de pernil ou gado além de bebidas do mais fino gosto. No dia seguinte,
manhã cedinho eis que estavam todos os bêbados e equilibristas à beira mar
curtindo a ressaca braba. Alguns a dormir o eterno sono dos justos. Outros, a
gargalhar das zombarias dos eternos. Em frente a todos estava à senhora Ramona
Pêra e os seus dois amados filhos.
Como se deu a questão de Ramona! Certa
vez, no salão de baile do Grande Hotel, estava um pianista vindo de estradas
distantes. Seu nome era Richard North. Era ele um exímio pianista a estar em
Natal a convite de um elegante empresário. Certa noite de um sábado estava no
recinto o casal Edgar e sua esposa para ouvir o concerto do pianista. O início ocorria
horas depois. Enquanto não havia dado a hora, North, o pianista, executava
melodias várias e então se acercou do piano a modesta pessoa não conhecida de
tanta gente. Nair era seu nome. Ela escutava o maestro ao piano e deu-lhe
vontade de acompanhá-lo em certas melodias. E então deu por inicio o seu
desempenho. Nessa ocasião, após várias canções de eternos encantos o maestro
North perguntou-lhe se havia já cantado de outras vezes. E Nair disse não.
Apenas em casa, a ninar as suas belas crianças.
North:
--- Mas a senhora é uma maravilho
cantora. Bela soprano. Uma verdadeira musa. A senhora estuda música? –
perguntou admirado o autor.
Nair:
--- Não. Não. Nunca. Eu canto apenas
para os meus filhos. – sorriu a mulher.
North
--- Mas uma voz se perdendo! Por que a
senhora não procura uma escola de musica? – indagou surpreso o pianista.
Um cidadão gordo e relativamente de
pouca estatura estava próximo de North e nessa ocasião ele se aproximou ainda
mais e relatou como conhecedor de causas. Era o professor Otto Rossi, mestre
erudito cujo nome era internacionalmente conhecido. Nessa oportunidade o
professor Rossi era diretor da Escola de Musica de Natal e estava no Grande
Hotel para prestigiar com a sua magnitude a apresentação de Richard North, cuja
amizade se solidificara há vários anos quando ambos faziam doutorado em musica
erudita do Conservatório de Musica de Toscana na Itália. Para o professor
Rossi, o seu amigo North era uma sumidade na musica erudita. North tinha
passado pelos maiores e melhores centros musicais dos países de todo o mundo. A
visita a Natal era apenas por um convite recebido de outro ilustre amigo
conhecedor do homem, profissional de escol em longas datas. E foi dessa forma
ter Rossi se aproximado do augusto e ilustrado homem para confirmar o que a
sumidade dissera.
Rossi:
--- Com permissão do ilustre professor
North, é de admirar a senhora nunca ter se aproximado da Escola de Musica, pois
sua voz maviosa encantaria a todos os frequentadores de academias musicais. Eu
convido a senhora a compor a nossa Escola de Musica, se for o caso. – relatou
com firmeza o erudito professor.
Nesse instante surgiu a figura de Edgar.
Ele se identificou como esposo de Nair e fez ver ter a jovem senhora um cunho
artístico sem precedentes. Ele mesmo a ouvira entoar cantos de ninar e sempre
se admirou de tal essência de voz. Se nunca deu a maior importância foi por
causa do seu trabalho diário e de alternativas de vida as quais o faziam
esquecer-se do mais próximo. A sua sobrinha Lenira foi outra a ter imenso
orgulho na suavidade de voz da sua inseparável amiga de tia quando essa estava
a cantar para acolher os seus meigos filhos. Mesmo assim, como todos cantavam,
para Lenira nem o mínimo pensar a jovem senhora deduziria colocar a sua amiga e
tia em alguma Escola de Canto. No caso de Edgar Penteado, ele homem por demais
conhecido nas classes governamentais, políticas e do comercio entre outros. Ele
nem necessitou se apresentar como diretor de uma repartição. Isso porque a sua
presença já era signo de ostentação e firmeza. A tomar o conhecer de Nair em
ser a esposa de Edgar, o maestro então fez reverências especiais ao casal se
levantando do seu banco ao piano. Daí
por diante a conversa tomou um novo rumo. A senhora se fez presente no recital
e concerto adiante a seguir. Com o passar do tempo, Nair já estudante de música
erudita achou por bem modificar o seu nome: Ramona Pêra.
Passaram-se cinco difíceis anos. Ramona
já estava penetrando no Concerto de Música da Escola e sendo afinada por
demais, não durou tanto tempo para a senhora ser a soprano principal. Recife, Fortaleza, Belém, Salvador, Rio, São
Paulo, Porto Alegre entre outros. Esses eram os centros mais ilustres e
constantes das apresentações do Concerto da Escola. Nair, então Ramona Pêra se
tornara na elegante prima dama do estilo em soprano. Em outra parte, anos
antes, dona Yayá, certa estava sentada em um tamborete quando por frente de sua
maltratada moradia passou um rapaz por nome de Carlos. Esse rapaz nutria forte
atração pela mocinha de 13 anos chamada Nair. E tentou por varias vezes
entabular namoro com Nair. Mas sempre foi rejeitado. Nair nada queria saber de
namoro em sua época. E um dia:
Yayá
--- Moço! Eu vejo a sua frente uma
terrível sombra! – falou a anciã bem tranquila.
Carlos:
--- Que estás dizendo, ó velha? –
perguntou com voz grossa e atrevida.
Yayá:
--- Uma sobra que significa “morte”. Eu
temo que isso aconteça! – falou cachimbando a anciã.
Carlos:
--- Não devo nada a ninguém! – falou um
tanto abusado
Yayá:
--- Mas tenha cuidado. A morte ronda o
teu espírito. – proclamou sem dúvidas a anciã.
O
tempo passou e Nair, casada com um bom partido, nem se lembrava de mais dos
parceiros da Rua do Motor. Ela era uma mulher de posses, exímia e magistral. Sendo então uma soprano de
classe, Nair com o pseudônimo de Ramona Pêra se tornara em mulher elegante sem
nem sequer pisar no chão.
As festas vieram e passaram. Depois do
Carnaval veio a Semana Santa, o São João e, por fim o Natal emendando com o Ano
Novo. Na residência de Nair, tudo era festa, regozijo e beleza. As festas do
Natal eram uma grandiosidade de enfeites e presentes. Tais presentes, aos
homens e mulheres da Fazenda Dois Irmãos, bem como aos da alta classe onde Nair
igualmente festejava a convite para o jantar de confraternização. Nem todos poderiam
comparecer, pois a festa alusiva era também nas outras moradias. Os discos em
LP já estavam na moda. Na vivenda de Edgar, podia-se ouvir Beethoven, Chopin, Bach,
Bizet, Debussy e tantos outros. E também se trazia os populares brasileiros e
estrangeiros. Enfim, tudo era festa. E quem pagava o “pato” era o “peru” assado
com fritas. Além do mais tinham as farofas e os escargot para o contento da
senhora Nair Penteado. A noite inteira era de festa, principalmente para a
gente grande uma vez que a meninada já estava choramingando para dormir. No dia
seguinte, o Natal de Jesus, as domésticas já estavam acordadas a servir a
refeição matinal. Embora todos ainda dormissem. Isso se procedia quando Edgar,
Nair, a parelha de meninos e mais uma doméstica, na certa a senhorita Odessa
não se preparavam para passar fora o final de semana.
Por vezes, Nair (ou Ramona Pêra), tinha
apresentação no teatro, sempre à noite, de forma solo. A mulher já estava com
dez anos de cantora e os seus meninos já eram quase adultos. Emma era uma
estudante de piano e já usava o instrumento com toda a delicadeza. O filho,
Joel era estudante de violino e outros órgãos. Com relação específica, A Valsa
do Imperador, Canto dos Bosques de Viena, Danúbio Azul, peças vienenses as mais
variadas até mesmo uma Ave Maria, de Franz Schubert, eram marcas singulares no
repertório de Ramona Pêra. E todas as canções e valsas eram acompanhadas por
seus dois filhos. Ao sublime final de cada recital, na Fazenda Dois Irmãos as
ovações eram tamanhas como tanto era a voz da soprano. O seu esposo Edgar Penteado, família e
moradores se sentiram entusiasmados. Era um dia de domingo, ao cair da tarde.
Nesse dia, era comemorado mais um aniversário de casamento de Nair, na Catedral
de Notre Dame. E entre ensaios e devaneios quis Nair enaltecer a briosa data e
fez ver a lembrança jamais se apagar. Estavam presentes, o casal Narcíseo e
Lenira, além da domestica Odessa acompanhada de um rapaz chamado Dimas,
aparentemente seu namorado. A apresentação de Nair durou até seis horas da
noite ainda clara quando a dama entoou o canto da Ave Maria ao acompanhamento
dos seus delicados filhos. Para a gente do interior aquela apresentação foi
algo de magnifico e todos os rancheiros aplaudiram com verdadeiro entusiasmo.
Ao final da festa foram servidos os habilidosos bolos e salgados, acompanhados
de vinhos e moscatel italiano. Dona Deodora foi quem serviu ao casal.
Deodora:
--- Um pouco de Moscatel, senhora! –
sorriu a mulher.
Nair.
--- Obrigada! Sente-se à mesa e saboreie
conosco também! – disse a mulher tendo já resolvido o impasse de velhos tempos.
Deodora:
--- Obrigada, senhora. – ressaltou a
mulher antes mãe de Nair em tempos remotos.
E a festa continuou com êxito por largas
horas no esplendor da noite. Em uma vitrola de ouvia o tocar de uma “Hallelujah”,
de Haendel, peça magistral e singular.
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