quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O SENHOR DE LUTO - Capítulo Cinquenta e Três -

- PIANO -
- 53 -
TEMPOS
O tempo era passado. Em seu lugar começaram os cantos. Nair encontrou um nome artístico e mudou. Era chamada então de Ramona Pêra. Nome atraente e básico em um filme de outrora onde o personagem principal se chamava de Ramona. Tal nome era oriundo de um antigo romance do mesmo título escrito por Helen Hunt em 1884, um ano antes de sua morte. Desde que viu esse filme, a senhora Nair Penteado quis modificar o seu nome mesmo sendo artístico. E assim ficou sendo chamada de Ramona Pêra por quem não a conhecia de fato. A menina Emma estava com mais de três anos de idade. Quase quatro anos. E Joel, o irmão, estava com dois anos de idade. A alegria voltou a casa, em Natal. Nos dias de festa, como natal, carnaval e são João era desatino de fuzarca. No Carnaval por demais principalmente. Lança-perfumes da marca Rodouro era o mais usado para os enfeites formais. Passear de automóveis com os rostos pintados ou deveras mascarados, no corso das avenidas era o tal ambiente quando era às quatro horas da tarde. Os tormentosos “assaltos” de casa em casa não parava de emoção. Homens com trajes femininos e a deselegância de cada qual deixavam os naturais ambientes naufragados em confusão. Os menos conhecidos já chamavam Nair por Ramona. E era um total desvario infernal. Quatro dias de folia e ainda eram poucos. À noite eram os loucos bailes da grã-finagem nas boates de fina classe, como o Aero Clube, Natal Clube, Brasil Clube entre tantos mais existentes na capital. E sem falar no corso a continuar em plena noite indo até as dez ou onze horas. E com lança perfume, serpentinas, confetes entre meios de muito uísque, vinhos e cachaças. Era a loucura a se esvair entre moços, destintas jovens, adultos e também os anciões de tantos anos. Na mesa, tinham de tudo nas mansões de gente nobre, desde peru, galinha, guinés e mesmo os assados de pernil ou gado além de bebidas do mais fino gosto. No dia seguinte, manhã cedinho eis que estavam todos os bêbados e equilibristas à beira mar curtindo a ressaca braba. Alguns a dormir o eterno sono dos justos. Outros, a gargalhar das zombarias dos eternos. Em frente a todos estava à senhora Ramona Pêra e os seus dois amados filhos.
Como se deu a questão de Ramona! Certa vez, no salão de baile do Grande Hotel, estava um pianista vindo de estradas distantes. Seu nome era Richard North. Era ele um exímio pianista a estar em Natal a convite de um elegante empresário. Certa noite de um sábado estava no recinto o casal Edgar e sua esposa para ouvir o concerto do pianista. O início ocorria horas depois. Enquanto não havia dado a hora, North, o pianista, executava melodias várias e então se acercou do piano a modesta pessoa não conhecida de tanta gente. Nair era seu nome. Ela escutava o maestro ao piano e deu-lhe vontade de acompanhá-lo em certas melodias. E então deu por inicio o seu desempenho. Nessa ocasião, após várias canções de eternos encantos o maestro North perguntou-lhe se havia já cantado de outras vezes. E Nair disse não. Apenas em casa, a ninar as suas belas crianças.
North:
--- Mas a senhora é uma maravilho cantora. Bela soprano. Uma verdadeira musa. A senhora estuda música? – perguntou admirado o autor.
Nair:
--- Não. Não. Nunca. Eu canto apenas para os meus filhos. – sorriu a mulher.
North
--- Mas uma voz se perdendo! Por que a senhora não procura uma escola de musica? – indagou surpreso o pianista.
Um cidadão gordo e relativamente de pouca estatura estava próximo de North e nessa ocasião ele se aproximou ainda mais e relatou como conhecedor de causas. Era o professor Otto Rossi, mestre erudito cujo nome era internacionalmente conhecido. Nessa oportunidade o professor Rossi era diretor da Escola de Musica de Natal e estava no Grande Hotel para prestigiar com a sua magnitude a apresentação de Richard North, cuja amizade se solidificara há vários anos quando ambos faziam doutorado em musica erudita do Conservatório de Musica de Toscana na Itália. Para o professor Rossi, o seu amigo North era uma sumidade na musica erudita. North tinha passado pelos maiores e melhores centros musicais dos países de todo o mundo. A visita a Natal era apenas por um convite recebido de outro ilustre amigo conhecedor do homem, profissional de escol em longas datas. E foi dessa forma ter Rossi se aproximado do augusto e ilustrado homem para confirmar o que a sumidade dissera.
Rossi:
--- Com permissão do ilustre professor North, é de admirar a senhora nunca ter se aproximado da Escola de Musica, pois sua voz maviosa encantaria a todos os frequentadores de academias musicais. Eu convido a senhora a compor a nossa Escola de Musica, se for o caso. – relatou com firmeza o erudito professor.
Nesse instante surgiu a figura de Edgar. Ele se identificou como esposo de Nair e fez ver ter a jovem senhora um cunho artístico sem precedentes. Ele mesmo a ouvira entoar cantos de ninar e sempre se admirou de tal essência de voz. Se nunca deu a maior importância foi por causa do seu trabalho diário e de alternativas de vida as quais o faziam esquecer-se do mais próximo. A sua sobrinha Lenira foi outra a ter imenso orgulho na suavidade de voz da sua inseparável amiga de tia quando essa estava a cantar para acolher os seus meigos filhos. Mesmo assim, como todos cantavam, para Lenira nem o mínimo pensar a jovem senhora deduziria colocar a sua amiga e tia em alguma Escola de Canto. No caso de Edgar Penteado, ele homem por demais conhecido nas classes governamentais, políticas e do comercio entre outros. Ele nem necessitou se apresentar como diretor de uma repartição. Isso porque a sua presença já era signo de ostentação e firmeza. A tomar o conhecer de Nair em ser a esposa de Edgar, o maestro então fez reverências especiais ao casal se levantando do seu banco ao piano.  Daí por diante a conversa tomou um novo rumo. A senhora se fez presente no recital e concerto adiante a seguir. Com o passar do tempo, Nair já estudante de música erudita achou por bem modificar o seu nome: Ramona Pêra.
Passaram-se cinco difíceis anos. Ramona já estava penetrando no Concerto de Música da Escola e sendo afinada por demais, não durou tanto tempo para a senhora ser a soprano principal.  Recife, Fortaleza, Belém, Salvador, Rio, São Paulo, Porto Alegre entre outros. Esses eram os centros mais ilustres e constantes das apresentações do Concerto da Escola. Nair, então Ramona Pêra se tornara na elegante prima dama do estilo em soprano. Em outra parte, anos antes, dona Yayá, certa estava sentada em um tamborete quando por frente de sua maltratada moradia passou um rapaz por nome de Carlos. Esse rapaz nutria forte atração pela mocinha de 13 anos chamada Nair. E tentou por varias vezes entabular namoro com Nair. Mas sempre foi rejeitado. Nair nada queria saber de namoro em sua época. E um dia:
Yayá
--- Moço! Eu vejo a sua frente uma terrível sombra! – falou a anciã bem tranquila.
Carlos:
--- Que estás dizendo, ó velha? – perguntou com voz grossa e atrevida.
Yayá:
--- Uma sobra que significa “morte”. Eu temo que isso aconteça! – falou cachimbando a anciã.
Carlos:
--- Não devo nada a ninguém! – falou um tanto abusado
Yayá:
--- Mas tenha cuidado. A morte ronda o teu espírito. – proclamou sem dúvidas a anciã.
 O tempo passou e Nair, casada com um bom partido, nem se lembrava de mais dos parceiros da Rua do Motor. Ela era uma mulher de posses, exímia  e magistral. Sendo então uma soprano de classe, Nair com o pseudônimo de Ramona Pêra se tornara em mulher elegante sem nem sequer pisar no chão. 
As festas vieram e passaram. Depois do Carnaval veio a Semana Santa, o São João e, por fim o Natal emendando com o Ano Novo. Na residência de Nair, tudo era festa, regozijo e beleza. As festas do Natal eram uma grandiosidade de enfeites e presentes. Tais presentes, aos homens e mulheres da Fazenda Dois Irmãos, bem como aos da alta classe onde Nair igualmente festejava a convite para o jantar de confraternização. Nem todos poderiam comparecer, pois a festa alusiva era também nas outras moradias. Os discos em LP já estavam na moda. Na vivenda de Edgar, podia-se ouvir Beethoven, Chopin, Bach, Bizet, Debussy e tantos outros. E também se trazia os populares brasileiros e estrangeiros. Enfim, tudo era festa. E quem pagava o “pato” era o “peru” assado com fritas. Além do mais tinham as farofas e os escargot para o contento da senhora Nair Penteado. A noite inteira era de festa, principalmente para a gente grande uma vez que a meninada já estava choramingando para dormir. No dia seguinte, o Natal de Jesus, as domésticas já estavam acordadas a servir a refeição matinal. Embora todos ainda dormissem. Isso se procedia quando Edgar, Nair, a parelha de meninos e mais uma doméstica, na certa a senhorita Odessa não se preparavam para passar fora o final de semana.
Por vezes, Nair (ou Ramona Pêra), tinha apresentação no teatro, sempre à noite, de forma solo. A mulher já estava com dez anos de cantora e os seus meninos já eram quase adultos. Emma era uma estudante de piano e já usava o instrumento com toda a delicadeza. O filho, Joel era estudante de violino e outros órgãos. Com relação específica, A Valsa do Imperador, Canto dos Bosques de Viena, Danúbio Azul, peças vienenses as mais variadas até mesmo uma Ave Maria, de Franz Schubert, eram marcas singulares no repertório de Ramona Pêra. E todas as canções e valsas eram acompanhadas por seus dois filhos. Ao sublime final de cada recital, na Fazenda Dois Irmãos as ovações eram tamanhas como tanto era a voz da soprano.  O seu esposo Edgar Penteado, família e moradores se sentiram entusiasmados. Era um dia de domingo, ao cair da tarde. Nesse dia, era comemorado mais um aniversário de casamento de Nair, na Catedral de Notre Dame. E entre ensaios e devaneios quis Nair enaltecer a briosa data e fez ver a lembrança jamais se apagar. Estavam presentes, o casal Narcíseo e Lenira, além da domestica Odessa acompanhada de um rapaz chamado Dimas, aparentemente seu namorado. A apresentação de Nair durou até seis horas da noite ainda clara quando a dama entoou o canto da Ave Maria ao acompanhamento dos seus delicados filhos. Para a gente do interior aquela apresentação foi algo de magnifico e todos os rancheiros aplaudiram com verdadeiro entusiasmo. Ao final da festa foram servidos os habilidosos bolos e salgados, acompanhados de vinhos e moscatel italiano. Dona Deodora foi quem serviu ao casal.
Deodora:
--- Um pouco de Moscatel, senhora! – sorriu a mulher.
Nair.
--- Obrigada! Sente-se à mesa e saboreie conosco também! – disse a mulher tendo já resolvido o impasse de velhos tempos.
Deodora:
--- Obrigada, senhora. – ressaltou a mulher antes mãe de Nair em tempos remotos.
E a festa continuou com êxito por largas horas no esplendor da noite. Em uma vitrola de ouvia o tocar de uma “Hallelujah”, de Haendel, peça magistral e singular.  
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário