sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O SENHOR DE LUTO - Capítulo Onze -

- CEMITÉRIO -
- 11 -
A MORTE
Na manhã de quarta-feira por volta das 09,00 horas, Nair já estava em frente ao prédio da Recebedoria de Rendas local onde trabalhava o doutor  Edgar Penteado. Naquela hora, precisamente, o auxiliar de serviços gerais, o senhor Ribeiro, abriu a grande porta de ferro permitindo a entrada dos que fossem regularizar suas contas, verificar livros ou mesmo comprar estampilhas dentre outros afazeres. A porca gente que aguardava a abertura do portão de ferro foi de imediato adentrado. Nair, com lágrimas nos olhos teve tempo de indagar ao porteiro. Ela perguntou apenas se o “homem” que se sentava em um birô de trás já havia chegado. A moça, cheia de temor, procurava observar o birô. Porém esse estava vago. Era sinal de que o homem não chegara. E foi a resposta recebida do porteiro.
Ribeiro.
--- Não está. – respondeu o porteiro com sua voz apressada.
E dizendo isso, o homem se voltou às pressas para o interior do prédio. Pessoas continuavam a adentrar e umas poucas saíam. Nair estava na calçada com seus olhos a lacrimejar. Um lenço rústico de pano era o seu companheiro. Com ele a moça constantemente se assuava. Passados alguns segundos, Nair deu meia volta e se encaminhou para um banco da praça. No lugar a bela jovem procurou se sentar a espera do homem de terno branco. Bonde trafegava para o final da linha na Ribeira em frente à Alfandega, repartição do Governo Federal. Carros seguiam velozes com destino a Cidade Alta, onde havia menos comércio. O vendedor de roletes de cana seguia com sua pressa em direção do Mercado Público. Outros negociantes igualmente passavam para o setor da Cidade. Um apito forte. Era o trem. Ele já estava a trafegar para entregar os fardos de algodão ou mesmos sacos de cimento na Rua Chile, a última a se seguir pela Travessa Aureliano antes de se encontrar o rio com o seu movimento do dia: botes, lanchas, navios entre yoles e batelões. Com seu pleno movimento de compras, a moça não dava importância aos balaieiros com suas cabeças fincadas no meio dos balaios a levar para algum lugar. Pouco ou nenhum destaque a moça conferia aos carregadores de madeiras. A sua maior preocupação era notar o homem de roupa branca. Um rapaz de braços para trás fazia reverencia a quem passava em frente à loja onde trabalhava. Outros traziam canos de ferro para levar ao seu destino. Uns poucos entravam e saíam de um Cartório bem próximo. Um ébrio dormia ao relento na calçada do Coreto da pracinha.
De repente, Nair avistou o homem de terno branco. Ele estava a chegar à repartição e entraria pela porta lateral. Um suor frio lhe correu a espinha dorsal. Ela não teve meios de gritar. Apenas a vontade de correr. E foi o que fez. De um salto, a bela moça estava dentro da repartição à procura do lugar onde devia sentar o doutor Edgar Penteado. Do nome ela apenas lembrava-se de se chamar o homem algo como “cabelo”. Mas não era esse o nome. A mulher do hotel a certa altura disse a Nair o nome do homem.  Por isso a bela moça ficou em mente como o senhor “cabalo” ou “cabeleira”. Quando a moça entrou na repartição procurou de imediato em sua bolsinha algo como um papel onde anotara o verdadeiro nome de cidadão. Entre batons, rouges e muitas outras pontas de papeis de lembrete, ela encontrou o do bendito nome escrito a lápis. Penteado. Ela sorriu sem querer entre lágrimas vertidas.
De posse de um papel pequeno, Nair falou com um rapaz sentado próximo ao balcão e ele não deu resposta. Ela indagou a mais uns três e não obteve reação. No ímpeto de fúria a moça resolveu gritar de sua maneira:
Nair:
--- Seu Penteado, por favor, venha até aqui! – gritava a moça para o diretor.
O homem ouviu alguém chamar pelo seu nome e se virou e imediato. O rapaz de serviços gerais apenas falou para o seu chefe.
Ribeiro:
--- É uma louca! – disse o auxiliar para o seu chefe.
Todos os demais servidores ficaram inquietos com a ação da moça. Um deles indagou se ela era louca.
Funcionário:
--- Gritar aqui dentro! Você está louca? – falou com voz brava o servidor.
Nair:
--- Não se meta comigo ou lhe meto esse estilete! – falou a moça em fúria com a boca cerrada.
Edgar:
--- Que é que tem aquela moça? Ela me chamou! – falou espantado o chefe.
Ribeiro:
--- É uma louca! – disse mais o atendente.
Edgar:
--- Espere! Eu estou reconhecendo a moça. Deixa-me ir até o balcão! – dizendo isso o homem se levantou com maior rapidez.
Do lado de fora do balcão a jovem Nair com bastante fúria trocava palavras com o servidor. Esse a mandou para a merda. E deu ordem de chamar a polícia. Nesse momento de terror, Edgar Penteado se acercou e logo indagou o que estava a acontecer entre a moça e o funcionário. Ela então se acalmou. E logo se pôs a chorar. Ela contou o seu drama.
Nair:
--- Meu pai morreu às três moras da madrugada. Eu vim me socorrer do senhor. É a única pessoa decente que eu conheço. Sai possível que o senhor pode me ajudar? – falou a moça com bastante pressa.
Edgar:
--- Vamos ver. O que lhe está faltando além do seu pai? – indagou preocupado o diretor.
Nair:
--- Não sei como dizer. Mas é um caixão! – disse a moça a soltar as lágrimas.
Edgar:
--- Caixão? Meu Deus do Céu! Caixão? – responde de boca aberta o diretor.
Nair:
--- Sim senhor. Se o senhor puder. Eu só preciso desse caixão de defunto! O senhor pode comprar! Não garanto pagar! Na minha casa está um desespero! Meu irmão está caído no chão de tanta cachaça que ele bebe. O outro está de zonzeira. Minha irmã foi ver se encontra o médico. E sobrou para mim o enterro. Tem um irmão que foi procurar uma cova no cemitério. Mas esse eu não conto pra nada. É um burguês. Assim mesmo, ele tem ajudado. E eu procurei o senhor para me dar um caixão de defunto. – completou a moça a chorar.
Edgar olhou em sua volta e o pessoal ficou pasmo com toda aquela história de uma moça buscar uma urna mortuária em plena manhã de alguém que nem sabia quem era. Então, esperava-se a decisão do diretor da repartição nessa altura do acontecido. E o doutor Edgar resolveu o problema.
Edgar:
--- Sei bem do que se trata. Aliás, a senhorita já havia me posto a par do acontecido. Por favor, espere-me aqui, pois eu vou buscar o meu carro. Não demoro muito. Espere-me. – falou preocupado do diretor
E então Edgar Penteado saiu a quase correr e foi buscar o seu carro na garagem do Hotel onde residia  a demorar pouco tempo. Nair ainda olhou o homem que desagradou, porém não falou mais coisa alguma e nem sabe a razão. Ela ficou animada com a promessa do doutor Edgar em poder ir com ela comprar a urna mortuária, algo que nem sabia pronunciar. Por tudo, para o enterro era apenas um caixão coberto com um pano roxo e nada mais. Os minutos, para Nair, transcorreram de forma muito lenta, apesar de que foram apenas cinco decisivos minutos e nada mais. Quando Edgar chegou na esquina da sua repartição pela rua Sachet, encontrou a moça e alguns funcionários a sua espera, inclusive o servidor Ribeiro querendo agradá-lo por todas diversas maneira. De imediato ainda perguntou ao seu chefe se podia ser útil em sua viagem, ao passo em que o homem o dispensou.  A jovem bela moça adentrou ao carro pela porta da frente e procurou se ajeitar na poltrona do moderno veículo mesmo assim usando seu nariz com o velho e puído pano já bastante encharcado por ação garota ter se assuado.    
Entre lágrimas e prantos a moça ainda contou durante a viagem que o seu pai já não se alimentava apesar de ter sido comprado o medicamento adequado formulado pelo médico. Por todo o dia passado, o sei pai esteve em ânsia agonizante. Delirava vez por outra a chamar por sua mulher. E confundia ser a moça Nair a sua verdadeira esposa.
Edgar:
--- Qual o nome dele de verdade? – indagou sem querer o advogado.
Nair:
--- José. Mas todos os que o conheciam chamavam apenas de Zeca. Era o comum. Mas o seu nome era José Pereira da Silva. Ele detestava esse nome. – falou a infante moça.
Edgar:
--- É. Mas José foi o pai de Jesus. – explicou o advogado.
Nair:
--- Meu pai se lembrava disso. Mas dizia ter muito José no mundo. José e João eram os nomes que ele não gostava. Nas filhas ele disse ter caprichado. Minha irmã se chama Laura. É mais velha que eu. Uma terceira tinha o nome de Otília. Essa moça Deus levou.  – chorou mais uma vez a filha mais nova.
 

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