terça-feira, 19 de julho de 2011

VENUS ESCARLATE - 04 -

- ANSIEDADE -
- 04 -
A tarde daquele dia correu tranquila. Quando Glauco Rodrigues saiu para o almoço passou primeiro na Agencia Pernambucana a procura de jornais do Rio de Janeiro, em especial o Correio da Manhã e o Jornal do Brasil, os principais jornais para ele, por trazer noticias e serem os mais importantes. Ele quis saber se os jornais já haviam chegado. A moça que despachava lhe disse:
--- Seu Luís foi para o Aeroporto. Até agora não voltou. – respondeu a moça de corpo franzino
Glauco agradeceu e disse que mais tarde passaria para apanhar os jornais.
--- Não vá esquecer! – disse Glauco com ar serio porem sorrindo.
Ao sair da Agencia de forma rápida, Glauco se topou com um mundo de gente. Alguns estavam correndo para as suas residências em busca do almoço. Outros, porém, estavam chegando ao trabalho. E tropeiros buscavam um canto sossegado para devorar algo conseguido no restaurante da esquina a preços módicos. Na Ribeira tinha de tudo: restaurantes dos ricos e os restaurantes dos miseráveis. Cada um que procurasse o seu. O exemplo disso: tinha o Beco da Quarentena, onde as damas decaídas de uma noite dormida em pouco espaço procuravam em uma bodega aquilo que lhe matasse a fome com um gole de cachaça.  Na Avenida Tavares de Lyra, o espaço era dividido entre Glauco e os passantes. Ele estava destinado a chegar bem rápido ao Grande Hotel, local de luxo e requinte onde a refeição era do melhor e do mais caro. Ao penetrar no recinto, Glauco Rodrigues logo ouviu um piano a tocar. Era praxe se fazer almoço ao som de piano. Um homem de meia idade, com alva avermelhada, porte baixo, cara sisuda era que dedilhava ao piano. Era um toque magistral a se ouvir. Em sua maioria, Fox. Lembranças da II Guerra Mundial quando o piano era o mais procurado no recinto. Nos idos da Guerra tinham mais violoncelo, violas, violinos, instrumentos de sopro e de corda para alegrar ainda mais o ambiente. Naqueles dias de Glauco, só havia mesmo o piano e nada mais. Salvo um casamento ou um noivado quando o pretendente exigia mais instrumentos eram então executados os aparelhos de corda ao som do piano. Isso era comum, principalmente durante a noite quando a festa se estendia por longas horas.
Ao entrar no restaurante, Glauco já topou uma alegre algazarra. Homens falando de tudo um pouco. Jogo de bozó, carteados, política, viagens e qualquer assunto rotineiro. Um deles foi a queda de um avião tendo a morte dezoito pessoas.
--- Incrível! Não escapou ninguém! – declarou um dos que falavam.
--- E o piloto? – indagou alarmada outra pessoa.
--- Morreu também! Todos morreram! Todos! – declarou o informante da tragédia.
Nesse momento entrou outro costumeiro frequentador do restaurante e foi logo dizendo:
--- Olá amigos do “meio”. – e sorriu como quis.
--- Bem vindo Irmão. – respondeu alguém.
E a conversa continuou por varias horas. Glauco pediu ao garçom que lhe servisse um prato de fígado, coisa muito boa de comer. O garçom prontamente de imediato atendeu ao pedido e ainda perguntou ao homem:
--- Vinho? – perguntou o garçom.
--- Branco, por favor. – relatou Glauco.
--- Pois não. Um instante. – proferiu o garçom saindo em seguida a procura da cozinha.
Na rua, do lado de fora do Hotel, um punhado de pedintes olhando ávidos os almoços servidos aos ricos frequentadores chega tiravam o gosto da refeição de cada um. Teve o consumidor ter virado a cadeira e se postado de costas para os pedintes. Uma menina ainda pequena dos seus dez anos grudar a boca no entrançado de ferro a olhar apenas o comer dos grã-finos. A menina nada pedia. Apenas olhava a comida.
No saguão do Grande Hotel a conversa girava como antes. Todos alegres, a gargalhar risadas homéricas ao bem querer. As moças fazendo unhas de fregueses nas cadeiras separadas na sala dos barbeiros conversavam alegres e com risadas baixinhas. Cada qual enredava dos segredos dos amantes ocasionais: O dinheiro recebido, a carteira caída a um canto de uma casa de recurso, a mão sorrateira a retirar mais um pouco; sair de mansinho para não acordar o amante. Essas e outras coisas prosaicas na vida dessas mulheres. Nessa ocasião uma delas falou baixinho:
--- Cuidado com Miriam! Ela tem um amante! – relatou a dama a sorrir baixinho.
--- Eu sei quem é ele. Um gordo. Ele está bem ali. Ela cuidando do seu amado. – sorriu quieta a mulher.
As manicures e pedicuras continuavam com sua prosa e os barbeiros também. Esses falavam dos outros barbeiros, como o que disse:
--- Você viu Aderbal? – perguntou o barbeiro do canto.
--- Nunca mais. Levou um fim. Ele não tarda em aparecer. – respondeu o outro barbeiro.
Os homens que faziam o cabelo às vezes até dormiam com o cantar suave da tesoura. Alguns chegavam a babar sobre o lençol. E o barbeiro lançava olhar e dizia.
--- Está dormindo. – e sorria.
Nas mesas do restaurante, ao se passar em cada uma, ouvia-se uma conversa bem diferente das outras mesas. Em uma delas um grupo de frequentadores conversavam animados sobre a estória de um galo. Um homem parecendo do interior estava a dizer o seguinte:
--- O galo é magro, depenado, gogó de sola e nem tinha asas. – fomentou o fazendeiro.
--- Mas ele era grande? – perguntou-lhe um outro.
--- Que nada! É desse tamanho (fazendo com os dedos a pequenez do galo). Mas come como nenhum outro. – relatou o fazendeiro.
--- Mas como o que? – indagou um outro espantado.
--- Milho! Ora essa! Milho em grão. Eu gasto por semana sessenta quilos de milhos apenas com esse galo! Juro por Deus! – enfatizou o fazendeiro muito serio sem querer ouvir contemplação.
--- E ele engorda? – perguntou outro que estava à mesa.
--- Que nada! É magrinho que nem um palito. O diabo do galo come de dia e de noite, sem parar. – relatou o fazendeiro de olhos fixos dos seus companheiros.
E foi então que alguém disse:
--- Isso não é um galo. É uma avestruz. – disse o homem sem pestanejar.
E a turma toda soltou uma bela gargalhada para ninguém contar outra suma mentira daquele tamanho.
Essa era a metade da conversa a se contar na hora do almoço no restaurante de Grande Hotel onde a gente presente sorria a qual preço. E em seguida, declarou alguém:
--- Por isso não. No meu sítio tem um carneiro magro de sete meses que come de manhã à noite sem parar. Não tem nem tempo para berrar. – finalizou outro fazendeiro.
--- Vai pra porra bando de mentirosos fela da puta. E eu a ouvir essas lorotas prestando atenção a esse punhado de bucetudo! – disse enfezado o homem que se retirou da cadeira deixando à mesa a qualquer custo.
Ao passar do tempo e depois de inúmeras gargalhadas Glauco Rodrigues partiu direto para a sua repartição acompanhado de um velho amigo. Os dois davam risadas homéricas quando se lembravam da estória da galinha comedora de sessenta quilos de milho por semana.
--- Tem quem acredite em uma estória dessas? – indagou o amigo do Glauco a sorrir.
--- Homem, até que não é muito para um galo magro. Eu vi na fazenda do meu pai uma vaquejada durar quarenta e cinco dias. Eram bois e cavalos para todo o lado a correr sem parar. E ainda hoje se fala nessa tal vaqueja. – respondeu Glauco com a cara séria.
--- Vai pra porra, homem! Até tu querendo mentir como o outro? – indagou enfezado o amigo de Glauco.
Esse foi o maior momento de se contar mentiras antes de se chegar ao trabalho. No restante do dia era risada escandalosa em toda a repartição com as estórias do galo, do carneiro e, por fim da eterna vaquejada de Glauco. Ao final do expediente, Glauco Rodrigues saiu da repartição e se dirigiu à Agencia Pernambucana para apanhar os jornais do Rio de Janeiro. O homem era bem letrado em questão de assuntos políticos e financeiros e esses jornais corriam o mundo com as notas quente do dia anterior. E o Correio da Manha trazia, além de tudo, artigos sobre cinema, teatro e espetáculos onde não se via por esses lados do País.
--- É uma merda muito grande. Espetáculos dessa natureza só no Teatro da Urca! – comentou para ele o esmerado conhecedor de teatro de revista entre outros temas.

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