sexta-feira, 29 de julho de 2011

VENUS ESCARLATE - 14 -

- ACASO -
- 14 -
Logo após o café da manhã, onde havia coalhada, leite, pães,  frutas e, com certeza café, ambas as senhoritas Racilva e Walquiria estavam em baixo de um pé de tamarindo a trocar conversa sobre o namoro e, após isso, o noivado e o casamento. Walquiria conhecia muito bem o seu tio e pronunciou a Racilva não se importar com as estórias de carochinhas ter ouvido ou não falar. Ela estava então no patamar da anunciação de um futuro bem mais amplo  e maior do que ela teria a imaginar.
--- Olha menina! Vou te dizer uma coisa! Não vá se importar com riqueza, perfumes, carros e tantas coisas que as mulheres se interessam. O meu tio e um homem simples. Ele um amplo terreno, quase do tamanho desse aqui. Mas não se importa em ter. Veja bem. Ele mora em um quarto de hotel de pouca categoria. E nem está interessado em saber disso. Ele é Doutor formado. Porém nem se importa em dizer. Ele é maçom, sabia? – perguntou Walquiria.
--- Não. Não sabia. O que eu sei é que ele mora perto da repartição onde trabalha. Só isso. Espero. – respondeu Racilva.
--- Bem. Já é alguma coisa a se pensar. Ele morar em um quarto de Hotel, úmido e frio, baratas por tudo que é lados, ratos, poeira, insetos os mais nocivos. Tudo o que é ruim, tem nesse quarto de pensão. Nada de bom, eu acho. Comida feita as pressas. Nojeira total. E um homem como o meu tio morando entre tudo isso. Veja que situação para um advogado, homem letrado e, por fim, viúvo e diretor da maior repartição do Estado: a Recebedoria de Rendas. E isso é negocio para um homem como meu tio? Não. Não é. Apesar de tudo ele bem podia morar melhor, em uma casa grande, espaçosa, com a criadagem a fazer quitutes a toda hora. Mas ele não pensa assim. Casa? Ele tem. Um mundo de casa. Um casarão onde guarda esse bagulho de carro. Você entende o que eu digo? – quis saber Walquiria inquieta.
--- Não pensava assim. Para mim ele era um funcionário de uma repartição. E só. – relatou Racilva estranhando o fato de Glauco ser tão rico como disse antes o seu chefe da loja.
--- Tá aqui para funcionário, - respondeu Walquiria dando uma banana para os servidores do Estado. – Ele é o máximo. Todos lhe paparicam. Ele é o Diretor da Recebedoria de Rendas do Estado. Sai governo. Entra governo. E ele está no mesmo lugar. Ele é um homem apesar de ninguém acreditar nisso. Homem com H maiúsculo. – relatou por fim Walquiria acordando Racilva do seu torpor.
--- Você me deixa com medo. Eu imaginava ser Glauco um homem simples. Quando ele foi a minha casa, ontem, madrugadinha, para viajarmos à sua cidade – ele disse – eu pensava em ver umas casas de moradia entre outras de taipa. Mas, quando chegamos a certa altura, ele deixou a rodovia e enveredou por uma estrada de barro. E eu não pensei em nada até aí. Quando foi bem adiante, tinha uma porteira. Ele parou na porteira e chamou um homem. . ...
Dizia Racilva quando foi cortada em seu assunto por Walquiria.
--- Manoel Vaqueiro. – respondeu Walquiria.
--- Hum? Pois é! Esse homem. Ele estava dormindo em baixo de um de pé pau. – teve a narrativa interrompida nesse ponto por Walquiria.
--- Turco. Pé de Turco! – declarou Walquiria de modo sério
--- Hum? Pois é. Esse pau. Então eu estranhei pelo modo em que o vaqueiro tratou seu tio. O chamou de “patrão”. De volta Glauco me disse que era costume do povo da roça: chamar todo mundo de “patrão”. Eu deixei prá lá. E vim se guinda e me deu vontade de fazer xixi. Eu disse a Glauco. E ele me mandou fazer alí no mato. E eu recusei. Disse a Glauco que esperava até a casa grande. Foi aí que se deu o pior. Ele me disse que eu estava empregada como funcionária do Estado. E eu fiz xixi na roupa. Que vergonha! – contou Racilva amedrontada com o fato.
Walquiria caiu na gargalhada. Mas sorria muito. E por mais que quisesse não podia parar. Após alguns minutos de risos então Walquiria falou entrecortada de soluços.
--- Ou mulher besta. Você não viu ainda o amor que o meu tio tem por você! Ele está de calças arriadas por você. Deixa de ser tola. Vai em frente. Pega a fera. Faz dele um homem. Deixa de ser fraca. Pense alto. Mais alto do que você. É assim que se faz. Eu digo: Eu tenho meu curso, mas se meu avô pedir para eu ficar aqui, eu retorna a palavra. Com uma condição: ele vai patrocina para eu ser eleita Deputada ou Estadual ou Federal. É assim que se faz mulher: pensar alto. Mais do que eu. E você pense já. Não é “agora”. É já! – narrou Walquiria a Racilva
Nesse meio tempo se aproximou das duas moças, o homem Glauco Rodrigues. Ele veio sorrindo e então foi logo perguntando:
--- (Eu) vou atrapalhar a reunião de bancada? – sorriu Glauco para as duas moças.
--- Que nada. Pode se abancar também. Nós estávamos apenas conversando sobre a festa. – sorriu Walquiria para o seu tio.
--- Ah bom. Vou me abancar também. - e se sentou em um toco de pau perto de Racilva.
--- Ah. Já vai se sentando assim? Tomando a conversa dos outros? Pois eu vou-me embora. Chega de três. Apenas dois bastam. – reclamou a moça Walquiria e se levantou para ir até o casarão.
Glauco então disse a sorrir.
--- Espere ai mulher. Eu só me sentei. – disse Glauco a sorrir.
--- Pra mim, chega. – respondeu Walquiria dando uma rabissaca e saindo correndo.
--- Estas vendo como é tua comadre? – sorriu Glauco para Racilva.
--- Comadre? – estranhou Racilva com aquele pronunciado de Glauco.
--- É. Comadre, amiga. Isso tudo. É o linguajar da roça. Bem. Vamos ali. – sorriu Glauco
--- Alí onde? – quis saber de imediato Racilva pensado da Lagoa das Garças.
--- Alí. Conhecer mais terras. Só isso. – e se abraçou com Racilva saindo a perambular pelo campo sem fim.
E então ambos saíram a vagar pela ravina do campo exótico do sertão bravio. O sol já estava aquecendo a solidão dos aflitos peregrinos da manhã. Glauco caminhou sem pressa, sempre abraçado a sua acanhada garota pelos campos da fazenda “Maxixe” onde vaqueiro já ou ainda estava a carrear o gado de leite para  outro cercado de onde os bezerros podiam mamar. Glauco olhou para as cabeças de gado e disse apenas isso a Racilva.
--- Agora é a vez dos bezerros. – relatou Glauco.
--- Hum? – respondeu Racilva sem entender.
--- Bezerros. As vacas só prestam para extrair leito com um mês após de dado cria aos bezerros e depois disso ele (o vaqueiro) pode pegar as crias, juntar a vaca e extrair o leite. Após esse tempo, espera-se por nova barrigada. – explicou Glauco a sua namorada.
--- Não entendi patavina. – sorriu a moça se dirigindo a Glauco.
--- Mas vai entender. – sorriu Glauco à sua namorada.
E os dois caminharam mais ainda até topar com o celeiro onde estavam amarrados os cavalos andarilhos. O homem convidou a moça para entrar. Essa teve medo. Porém a confiança em Glauco lhe permitiu entrar sem maior constrangimento, Devagar, Glauco correu a cavalariça e bateu no rosto de um cavalo com todo o carinho e caminhou com ele para fora do estábulo mandando a moça segurar o animal após dizer:
--- Ele é manso. Não espante. – resolveu dizer o homem
E entrou novamente curral onde pegou outro cavalo e colocou as rédeas, trazendo o animal para fora se encostando ao cercado. Voltou até ao animal manso onde estava à moça Racilva, cobriu o animal, pôs a brida e os arreios, a cela e terminou o serviço passando a mao no rosto do cavalo dizendo apenas.
--- Eia Avançar! Calma. Ele vai treinar. – disse o homem ao cavalo.
--- Treinar? – perguntou a moça espantada com o animal.
--- É. Você tem que falar com o seu cavalo. Dizer que vai passear. É a primeira vez. Ele entende tudo o que você fala. Veja as orelhas dele! Ele entende o que eu falei. – sorriu Glauco ao dizer isso para a sua namorada.
--- E eu vou montar nesse bicho? - perguntou alarmada a moça com a situação.
--- Vai sim. E cuidado, pois o animal não gosta de ser tratado por “bicho”. – disse Glauco sorrindo.
--- Agora deu. Eu não sei me “ trepar” nele.- reclamou a moça envergonhada.
--- Trepar, não. Montar. – disse mais uma vez Glauco sorrindo baixinho.

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