quarta-feira, 20 de julho de 2011

VENUS ESCARLATE - 05 -

- MULHER -
- 05 -
Às nove horas da noite daquele dia sem chuva e muito morno, Glauco Rodrigues estava instalando a antena do seu novo rádio no pleno quarto de dormir do Hotel Belas Artes, cuja dona ou gerente era a senhora Dalila. Pela forma como fazia, Glauco mostrava ser um experiente senhor de rádio, notadamente por saber estaiá uma antena de dez metros em um local pequeno como era o seu quarto. Em uma ponta instalou uma peça de louça fazendo a dez centímetros de distancia da parede. Ele puxou o fio em quase todo o cômodo, separando ao meio, a cinco metros com outro estaio a acertar o fio, emendando a outra parte no local seguinte do estaio e deixando a antena com a separação no meio onde pregava os fios de descida para conectar na entrada do radio, de um lado e no fio terra, do outro. Esse trabalho demorou vários minutos, quase uma hora.  O homem estava entretido com o pregar da antena e não viu sequer quando a moça entrou em seu quarto. A doméstica havia sido prometida a ele pela dona do Hotel logo cedo da manhã. E ele aceitou o convite marcando para as nove horas da noite.
A moça, bem moça ainda, talvez de dezoito anos, entrou no quarto, assustada e ficou de pé escorada na parede. Ela estava amuada com a presença do home. Seu nome era Bete, pois assim todos os que a conheciam no Hotel lhe chamavam. De pronto a moça ficou calada e nem deu para notar a Glauco a sua presença. Vestido simples de fazenda bem modesta, Bete estava ali, acuada, como se fosse uma fera a ser devorada a um só instante pelo comedor de pequena ave. Eram passados alguns minutos quando Glauco se voltou para a porta, de cima de uma cadeira onde estava a armar a sua antena e fez como quem faz um leve susto.
--- Você aí, menina. Que susto me pregou. – disse Glauco como se aterrorizado com a simples mucama.
A mocinha em nada respondeu. O homem desceu da cadeira e pediu a moça para sentar na cama, único espaço para acomodar uma pessoa.
--- Sente aí na cama. Eu estou ajeitando a antena do meu rádio. – disse ele e sorriu.
A moça nada respondeu e foi direto para a cama. No local, Bete se sentou com as pernas encolhidas, joelhos arqueados, saia cobrindo todas as pernas, braços postos nos joelhos como quem estava com profundo medo se agarrando ao seu próprio destino. Queixo preso nas pernas, olhos fixos no homem ela era toda muda. O homem ascendeu de novo na cadeira para os ajustes finais na antena e chegou a dizer;
--- Não demoro muito. Estou ajeitando os engates. – relatou o homem.
Nesse momento Bete foi logo dizendo:
--- Estou doente! – e calou de vez com a boca presa nos joelhos.
O homem já havia descido e ligado o seu radio quando ouviu essa expressão de temor.
--- Doente? Doente de que? Gripe? – perguntou Glauco sem temer a sua caça.
--- Não. Doença de mulher. Só vim porque a senhora me mandou. – respondeu Bete.
--- Ah bom. Você está nas regras? Isso é natural. Então a gente não faz nada. – sorriu o homem
--- Não faz nada. – respondeu a moça.
Um transporte coletivo passou em frente ao Hotel fazendo aquele barulho costumeiro. Dois ou três rapazes passaram a conversar alegremente e se indo com destino as pensões das prostitutas nas ruas mais distantes do bairro da Ribeira. Carros buzinavam para estacionar logo a frente da praça onde o Hotel Belas Artes estava. E no interior do quarto permanecia Bete assustada talvez a sentir as fortes dores das regras. O homem sorriu para a moça e se sentou na cama com a cobertura de um lençol de morim. Bete assumiu mais temor e procurou se ajeitar toda pressa na parte de detrás da cama.
--- Tenha calma. Não vai acontecer nada. Eu não toco em você. Só estou me ajeitando na cama para melhor conversar. Há quanto tempo está assim? – perguntou Glauco temeroso em fazer a jovem sair correndo.
Bete fez com o dedo está a um dia de regras. Glauco entendeu prontamente e perguntou se estava doendo muito no útero. Ela balançou a cabeça dizendo que sim. O homem se levantou da cama e mostrou um remédio que servia para dores uterinas e indagou se a moça não queria tomar umas gotas. Ele balançou a cabeça dizendo que sim.
--- Vou preparar umas gotas para você. E depois, você procure tomar sempre essas gotas para não sentir tamanhas dores. – relatou Glauco a moça.
Ele foi até ao pote de barro e despejou um pouco de água, contando as gotas a despejar no copo. Em seguida veio e colocou o copo na mão da moça. Essa pegou e tomou a porção que o homem fez para passar as suas dores.
--- Como é o seu nome, criança? – perguntou Glauco a moça.
--- Bete. – respondeu a doméstica entregando o copo ao homem.
--- Eu me chamo Glauco. Você, agora, passe um tempo até as gotas fazerem efeito e depois pode sair. – relatou Glauco a Bete.
--- Eu não queria mais voltar para dentro da casa. A mulher é ruim. Ela faz com todas as empregadas  que fez comigo. Eu já soube disso. Não sei se fez com o senhor. – disse a moça a o homem.
Glauco sorriu não dizendo que sim ou não. Apenas sorriu baixo de forma calada. A moça com as pernas levantadas até a altura da boca olhava o homem procurando estudar as suas intenções para com ela, de verdade. E nesse ponto, Glauco falou simplesmente.
--- Se você não quer ficar, não fique. Eu posso abrir a janela e você soltar por ela e seguir seu caminho. Eu lhe dou esse dinheiro para você comprar mais umas coisas e se a mulher perguntar por você eu, apenas vou lhe contar  que você já saiu ou coisa assim. – expôs Glauco a moça.
--- Jura que faz isso? – perguntou a garota meio contente.
--- Eu direi, sim. – expos o homem a mocinha.
--- Se o senhor me der um agrado, eu tenho que fugir, pois as outras (moças) reclamam que ela toma tudo o que os homens dão a elas. – refletiu Bete, assustada.
--- Então é mais um motivo para você não ir. Tome o dinheiro, demore um pouco e, depois pegue a rua. – sorriu Glauco a tranquilizar a moça.
--- Obrigada. Logo eu pago ao senhor. Esse dinheiro me serve para comprar remédio para o meu pai. – quis chorar Bete.
--- E seu pai está doente? – quis saber Glauco.
--- Fraqueza no pulmão. Ele está afastado do trabalho, na Companhia de Saneamento. Eu acho que ele vai morrer. Deus me livre. Mas é assim. – falou Bete começando a chorar.
--- Não. Não. Ele fica bom. Eu sei disso. Apenas ele deve ter cuidado. – fez ver Glauco a se lembrar de sua doce amada Adélia Agar. Na certeza o pai de Bete teria o mesmo fim.
--- Deus te ouça. Mas em temo, sim. – contou Bete chorando leve.
--- Vocês em casa já fizeram exames de Raios-X? – perguntou Glauco assustado.
--- Já. Todos nós fizemos. Só tem ele com a moléstia. – relatou a moça.
--- Quantos irmãos? – fez questão em saber Glauco.
--- Somos cinco: três homens e duas mulheres, coma minha pessoa. Um está fora. Ele serve na Marinha. Esse nem tem perigo de adoecer. Meu pai bebe muito. Cada moeda que ele pega é pra beber. Esse dinheiro eu vou guardar escondido para ele não saber da sua existência. – disse Beta a chorar baixinho.
--- Assim é mal. Ele não pode beber cachaça de modo algum. – fez ver Glauco.
--- Mas parece que ele tem uma sina de descobrir onde tem dinheiro. Tira logo e bebe. É assim. Eu juro. Quando acabar ainda sofre de diabetes. – descreveu Bete ainda chorando.
--- É danado isso: diabetes e tuberculose. – fez refletir o homem sobre a natureza humana.
--- Se o senhor me der licença eu fujo agora. Não se incomode, pois eu venho pagar. – pois de pé a jovem já no sentido de pulara janela.
--- Tá bom. A gente se vê. Tome cuidado com a fraqueza. Se precisar, pode aparecer na repartição onde eu trabalho. É logo ali naquela esquina. – relatou Glauco passando a mão na cabeça de Bete e abrindo a janela para ela pular fora.
Nesse ponto, a moça olhou para um lado e para o outro a rua. Não havia ninguém que a conhecesse e Bete saltou a janela agradecendo por mais uma vez a ajuda do homem. Esse dispensou agrados afirmando apenas ser procurado pela moça quando necessitasse. Bete saiu na carreira, dobrou a esquina e fugiu.

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