domingo, 24 de julho de 2011

VENUS ESCARLATE - 09 -

- Natalie Edenburg -
- 09 -

O carro avançou depressa por uma estrada feita de barro caminhando mato adentro sem parar um instante. Então era calor forte. Glauco achou por bem suspender o teto do veículo até então abaixado para suavizar o calor normal da estrada naquela manhã de verão. Já havia modelos mais novos com a cobertura perfeita. Mesmo assim, Glauco preferia a série sem teto com um custo bem maior que os considerados normais. O sol da manhã já era forte e as mariposas zuniam a todo instante. Fechar os vidros das portas era o mais conveniente. Ele então fechou os vidros para espanto da senhoria Racilva.
--- Para que fechou? – perguntou amedrontada Racilva.
--- As moscas. Mosquitos. Estão batendo nos vidros. – relatou Glauco sem sorrir.
--- Ah tá! Mas são bichinhos inofensivos! – comentou a moça.
--- Nem tanto. Quando cair um em sua boca, você verá que não são tão inofensivos. – fez ver o homem limpando o vidro da frente – o para-brisa – por assim dizer.
--- Coitado dos bichinhos. Morrem todos esbagaçados. – fez ver a moça.
--- E o deputado? – perguntou Glauco para mudar de conversa.
--- Eu não vimais. Por quê? – perguntou Racilva querendo saber mesmo.
--- Por nada. Se você demorar mais, a vaga será preenchida. – disse mais o homem.
--- Eu tenho que falar com ele. – relatou a moça preocupada.
--- Eu se fosse você, não iria mais atrás de deputado. Afinal, você tem quem possa fazer por você o que o deputado teria a intenção de fazer. E se fizer! – comentou o homem.
--- Teria? – indagou a moça assustada com aquela afirmativa.
--- Sim. Pense! – disse Glauco a Racilva enquanto dirigia seu carro.
--- Mas pense como? Quem seria a pessoa? – fez a pergunta mais uma vez Racilva.
--- Não sei. Eu digo: Pense! – fez ver Glauco.
--- Mas eu não conheço ninguém! – comentou assustadíssima a moça.
--- Não conhece? Está bem. – fomentou Glauco.
--- Pois me diga quem! – reclamou de vez a moça.
--- Pense! – disse mais uma vez o homem.
Nesse instante o carro estacionou em frente a um portão onde tinha na porteira a inscrição: Fazenda Maxixe. Racilva olhou o termo e não entendeu coisa alguma. O homem abriu a porteira, escorou com um dos pés pondo uma estaca e gritou:
--- Manoel! Acorda! – gritou Glauco para alguém.
Racilva ficou a olhar o chamado de Glauco e com pouco tempo, de trás de um pé de turco, apareceu um vaqueiro meio com sono e esfregado os olhos. Ele pediu desculpas;
--- Desculpa patrão. Eu estava numa madorna. – relatou o vaqueiro.
--- Espera ai para fechar o cercado. – disse por vez o homem.
--- Sim senhor. – fez ver ter entendido o vaqueiro.
Racilva ficou a esperar a volta de Glauco. E quando esse com pressa entrou no Cadillac a moça argumentou o que ouvira ser dito.
--- Patrão! Quem é patrão? Você? – reclamou por ter ouvido a moça.
--- Besteira dele. – falou sem maior explicação o homem.
Racilva ficou a cismar e a olhar o seu companheiro de viagem como se fosse alguém. Uma autoridade ou coisa assim. Enfim, a moça quis saber da verdade da estória.
--- Eu quero saber que estória de patrão é essa. Ninguém chama outro de patrão só por chamar. Diz a verdade! – descreveu de vez Racilva.
--- Besteira, Racilva. Todos me chamam aqui de Joca de Timbó e eu nem ligo. Pra você vê. – articulou Glauco como querendo mudar de assunto.
--- Como é que é? – perguntou Racilva começando a sorrir francamente.
--- É. Aqui estamos na fazenda do Coronel Fabrício, o Timbó velho. – sorriu Glauco puxando o carro a toda velocidade pela estrada de barro.
--- Coronel quem? – perguntou assustada a moça.
--- Fabrício. É o meu avô. Meu pai é também o coronel Arthur Rodrigues, chamado de Timbó. - relatou por fim o homem, Glauco.
--- Meu Deus do Céu. E você me meteu numa bruta situação como essa. Só tem coronel. Ave Maria. Que é que eu faço agora! – comentou Racilva tremendo de medo.
--- Nada. Você foi convidada por mim, um Timbó, e se aguente. Tem festa desde ontem. Vaquejada, tiro ao alvo, gato no pote e uma danação de coisa. Comida tem a vontade. Churrasco e coisa de tal. É o aniversario de nascimento do Coronel Fabrício, o velho. Mas antes dele teve mais gente. É uma timbozada e tanto. – gargalhou o homem Glauco.
--- Estou com medo. Aqui tem sanitário? – quis saber Racilva.
--- Já está se urinando? – perguntou a gargalhar o jovem Glauco.
A moça ficou vermelha sem saber se era de raiva ou de vergonha. Ela estava simplesmente vermelha. E a se coçar então tremendo de frio. O homem parou o seu carro no meio da estrada e mandou a moça urinar detrás de uma moita de pau ferro.
--- Vá lá. Eu espero. Aqui não tem ninguém. E se tiver não vem olhar. – falou Glauco a Racilva.
--- Não. Eu espero para chegar à fazenda. – informou resoluta a moça.
--- Está bom. E já pensou? – quis saber Glauco tocando o carro pra frente.
--- Pensou no que? – perguntou a moça toda aturdida com a vontade de urinar.
--- Já sei que não pensou. Menina, se você quer um emprego no Estado, mostre-me os documentos que eu ponho você na folha ainda deste mês. Peça as contas, faça o que quiser. E você é funcionária da Recebedoria de Rendas. Eu não te disse isso? – fez ver Glauber a Racilva
--- Pronto. Era só o que faltava. Acabei de urinar na roupa. Você tem cada uma! – confessou Racilva com a cara toda vermelha.
--- Já fez xixi? Viva!!! – gritou Glauco parando o carro e gargalhando  dançando um xaxado em pleno sertão.
Com isso, Racilva correu para a mata adentro para acabar de urinar. Era então chegada a hora de terminar o que ela começou. Após alguns minutos, arranhões, ferroada de mosquito e tremendo com medo de cobra, ela voltou a suspirar e reclamar dizendo:
--- Agora tenho que mudar de roupa. – relatou Racilva toda sem jeito.
Glauco que já estava no seu carro fez a vez de dizer.
--- Você muda de roupa lá na fazenda. Tem um quarto só para isso. Para as donzelas trocarem de roupa. – sorriu Glauco adiantado o carro a pouca velocidade.
--- Tiros! – alertou a moça ao rapaz.
--- Fogos, guria. Fogos! É a comemoração dos oitenta anos do velho Timbó. – fez ver Glauco
--- E tem fogos? – indagou assustada a moça toda cheirando a urina.
--- Aniversário do coronel. – relatou Glauco dirigindo o carro com mais pressa.
Enfim, Glauco Rodrigues chegou à estância do seu pai, onde a festa estava animada com a turma assanhada a dançar, ouvindo ainda o repente dos cantadores para mostrar o coronel Fabriciano aos seus oitenta anos de vida.  O automóvel estacionou perto do casarão onde estavam outros automóveis de primos e da própria irmã Glace filha de Arthur. Glauco e Glace tinham diferença de um ano. Eram dois irmãos. Glauce era casada com um aviador e tinha morada na capital. No bairro do Tirol. A senhora havia chegado horas antes de Glauco em companhia do seu esposo, o piloto comandante Américo Debiasi Sollo, mais conhecido por comandante Sollo, filho de italiano. Em instante, Glauco pediu licença a Racilva para falar com sua mãe e levar moça até o quarto de moças para ela trocar de vestimenta Racilva, com profundo temor chegou a chorar de emoção. O rapaz foi num pé e voltou no outro pedindo a Racilva descer do carro e ir pela porta do lado. A mãe de Glauco, dona Nair, já estava pregada com o filho para dar mais atenção a Racilva. Com a mulher estava também uma camareira.

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