quarta-feira, 23 de novembro de 2011

CREPÚSCULO - 22 -

- Audrey Hepburn -
- 22 -
O ENTERRO
Domingo, pela manhã, bem cedo ainda, o doutor Orlando Martins estava de pé, caminhando pela casa de dona Darama Soares, mãe de Nara Soares Martins, sua primeira esposa, pensativo com um sonho tido pela madrugada onde Nara aparecia a ele. No sonho, Orlando estava de pé em uma Casa Bancaria e a sua esposa estava sentada um pouco distante, talvez esperando por ele ou coisa assim. Eles não conversaram durante a estada na Casa Bancaria. E logo após, Nara e Orlando já estavam em um restaurante de classe rica onde podia se beber a exemplo de coisas finas. A mulher aceitou uma taça de champanhe enquanto Orlando ficou com um copo de cerveja. Eles não se demoraram na mesa onde estavam e, Nara logo lhe disse:
--- Hoje não vou pra casa. – falava Nara com seriedade.
--- Está bem. Eu também não vou. – respondeu Orlando.
Então, Nara lhe disse o que fizera na Casa Bancária.
--- Eu recebi. – dizia Nara compenetrada.
Orlando entendeu. Na verdade era o dinheiro que o seu – dela – irmão lhe mandara.
--- E foi só para você? – perguntava Orlando se referindo a outra irmã de Nara.
--- Sim. – respondia Nara querendo dizer que a sua irmã não tinha mais direito ao provento.
E depois de estarem naquele restaurante, eles foram para uma joalheria bem ao longe, na outra esquina da rua onde Orlando e Nara estavam. Chovia forte. Orlando se molhara todo. Nara lhe enxugou. Ele estava só de ceroulas. Nara sorriu. O sonho terminou de momento.
Ainda confuso Orlando passou a dedilhar o sonho. Há bastante tempo não sonhara com a sua primeira esposa. E, naquela hora, ele sentia uma saudade imensa da moça de antigos e eternos festivais quando estavam a dançar nos salões de um lindo grêmio social a valsa parecendo antiga, porém majestosa como uma evocação de um paraíso a renascer em raios floridos de luar. E nesse enlevo ele entre cravos e rosas, sentia passar jovens namorados a procurar de um recanto onde dois parecia um. Velhos sonhos de amor ardente eram aqueles delirantes devaneios. Sonhos de amor infantil, jovem e primaveril cuja fascinação arrebatadora não voltaria jamais. E em certo instante como um ansioso homem ele se notou a prantear dorido.
Nesse momento surgiu as suas costas a jovem Marina, sua delirante e primeira filha, alegre e carinhosa com encantos mil de vez a perguntar:
--- Por que choras meu pai? – indagou Marina com voz serena.
O homem se voltou para Marina e abraçou-lhe ternamente a soluçar como o acaso a se fazer presente. A moça acariciou perseverante como uma ninfa a delirar abraçada. E homem com o rosto encoberto pelo tecido de musseline macio e fino a cobrir os encantos da moça apenas se pôs a chorar.  E assim passou um longo tempo quando, enfim, ele pode falar lacrimoso:
--- Tua mãe, filha. Tua mãe.  – respondeu o homem a ansiar dorido.
--- O que tem a minha mãe, meu pai? – indagou suave a bela moça em candura eterna.
O homem a chorar quase não respondeu de imediato. Por fim, a soluçar replicou:
--- Sonhos, filha! Sonhos! – e dai soluçou a lagrimar.
--- Eu não conheci a minha querida e eterna mãe! – respondeu de leve a moça a sentir um terrível aperto em seu seio.
Demorou um pouco para o homem responder.
--- Como era suntuosa a tua mãe. – e desabou em prantos incontidos.
Os dois, ao mesmo tempo, choraram. Ele, por se lembrar da eterna Nara. E Marina por não tê-la conhecido.
Foi longo esse tempo de saudade e emoção. Bem longo, pois. Longe como uma nuvem no céu soturno. De encantos serenos o homem se deixou enlevar pelos doces carinhos da filha amada. De um rádio distante languescido chegava uma voz sussurrando tema de amor moribundo, quase finado. A moça tentou dançar com o seu pai para afogar as lagrimas dolorosas do seu coração e os delas também. Uma dança suave e dorida ao encanto das brumas do acaso e da amplidão.
--- Nara! Nara! Nara! – recitava o homem em uma voz triste e latejante.
Aquele foi um sonho amargo de dor contido no acerbo coração de Orlando Martins de Barros, sobrenome cujo encanecido e augusto ente jamais colocara em seus assentos de nomenclatura.
O dia de domingo avançava sereno cambiando para o meio dia. Orlando Martins, tento ao seu lado a doce filha Marina aconchegada ao seu colo, deitada com parte do seu meigo corpo por sobre o velho pai, ouvira as noticias do rádio sobre a morte do Governador do Estado. Ao fundo uma marcha fúnebre a entoar dolente na voz serena e sincopada do locutor do estúdio. Toda a programação da emissora fora suspensa para se dedicar sempre ao velório pranteado do saudoso Governador. Fazia então pouco tempo de haver tal desastre. Algumas horas apenas. Pouco mais de doze horas. Toda a cidade compungida pela tragédia via o Governador pela derradeira vez. Uma enormidade de gente, velhos e moços, faziam fila em frente ao Palácio do Governo para de acesso ao Salão Negro onde estava exposta a urna mortuária do Governador. As outras três urnas também estavam ali presentes com os corpos dos Secretários do Governador. O sol ardente não aplacava o choro dos presentes participantes ao ver pela vez derradeira o nobre homem. Quase toda a cidade se despedia daquele ente querido. E, em casa de Darama, a senhora mãe de Nara, primeira mulher de Orlando, era tudo silencio quebrado apenas pelo rádio a baixo volume a traduzir os acontecimentos do lutuoso desenlace.
Após o almoço servido em sua casa, Darama Soares declarou não poder ir para ver a urna mortuária por conta do seu angustiante reumatismo. Orlando de Barros não disse nada. Apenas compreendeu a situação da anciã e pediu que a idosa senhora ficasse na sua própria casa ouvindo pelo rádio as manifestações de pesar de alguém, pois a emissora era a portadora de todos os demais acontecimentos. A anciã fez um gesto dizendo sim.
A chuva fina aplacou a hora se ser retirada a urna mortuária por todos os enlutados amigos do Governador do Estado. Àquela hora, já havia tomado posse o novo governador, doutor Gentil Trajano até então vice-governador. A visitação pública foi suspensa quase meia hora antes para os preparativos de se levar a urna mortuária com o corpo do ex-governador até o interior de Estado por via aérea. As outras urnas mortuárias foram levadas para o seu destino quase uma hora antes. Orlando Martins e a sua filha, ela vestindo luto como mandava a etiqueta, ficou em Palácio a espera da saída do esquife para o aeroporto. Jamais alguém pode ver tamanha gente, todos a lamentar o trágico acidente havido a quase meio dia do sábado. Pessoas rezavam. Outras empunhavam velas. Ramos de flores era o que mais se notava. Homens faziam silêncio ao pleno sol da tarde, meninos ficava a olhar sem nada dizer; as mães, estas choravam.
--- Que clamor! – dizia alguém no meio da multidão.
--- O homem era querido mesmo. – respondia outro quase em segredo.
Os adversários do ex-governador ficaram presentes sem nada falar. Eles apenas olharam para a gigantesca multidão portando ramos de flores ou de outras arvores com a representação do verde. O ancião Juca permanecia junto aos filhos. O prefeito do município de Panelas, Sebastião Salgado, permanecia contrito seguindo os demais amigos do coronel João Tenório, sem nada mais falar. Outros prefeitos de cidades mais próximas da capital também se faziam presentes. E igualmente com o nobre prefeito da Capital e o seu Secretariado. A chuva insistente não parava de cair. E mesmo assim, com chuva fina e tudo o cortejo fúnebre seguiu para o aeroporto da cidade. Uma companhia de transito abria caminho com sirenes ligadas a frente de todos. Logo atrás, vinha o carro fúnebre. E depois os outros carros. Uma tropa de motoqueiros fazia o trajeto entre a pista de asfalto sem passar a frente das motos de radiopatrulha. Todos obedeciam ao sinal dos policiais, pois havia carros da Polícia ao longo do séquito. Entre muitos automóveis estava o de Orlando Martins estando acompanhado da filha Marina, Secretária de Educação do município de Panelas e duas outras tias da moça Marina.
Após o embarque do féretro para o interior do Estado, Orlando Martins voltou à cidade para deixar as duas tias de Marina. Eram sete horas da noite quando ambos seguiram para o município de Panelas. A moça estava um pouco triste com a cena do enterro do ex-governador. Uma lágrima desceu em sua face. A moça enxugou o nariz e ainda falou:
--- Não sei por que todo acaba assim! – declarou a moça falando a esmo.
--- É a vida, minha filha. A vida. – disse-lhe seu pai.
--- Mas não devia ser assim. Ele, ontem estava lúcido e feliz. E nem sabia o que o destino lhe reservava. Essa é uma vida de merda! – respondeu a moça em tom desesperador.
--- Lembre-se da sua mãe. – respondeu o velho e novo pai.
--- É por isso que eu me revolto. Nunca hei de casar! Nunca!!! – respondeu a moça Marina a soluçar de comoção.
--- Eu até prefiro que você não case. E nem se amigue. Isso faz bem. Não se pode adivinhar o que vem pela frente. – respondeu Orlando a dirigir seu carro com a máxima cautela possível.
--- Eu até pensaria morrer assim, ao seu lado, em um acidente como o que ceifou a vida do Governador. – respondeu a moça a chorar.   

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