quarta-feira, 30 de novembro de 2011

CRAPÚSCULO - 30 -

- Pola Negri -
- 30 -
O CONVITE
Ainda na terça feira, no restaurante a beira mar, Orlando Martins estava a conversar com Augusta Vieira, sua secretaria particular sobre casos das eleições para a Prefeitura, sendo ele um candidato de preferencia do coronel Juca, o mais forte dos homens da Política do Município de Panelas, quando entra no local aquela figura magra, baixa, quase que corcunda apenas pelo oficio, face morena e um sorriso no rosto. Orlando tão de imediato o reconheceu. Oscar Campelo era o seu nome. O homem tinha visto Orlando e se dirigia para a mesa do casal. Oscar se mostrava alegre por ter encontrado um velho amigo naquele restaurante. E de imediato foi até ao casal e cumprimentou Orlando. Esse o recebeu com afagos e maestria como sendo o homem conhecido de velhas datas. E apresentou a Oscar a moça que estava sentada naquele posto. Oscar também a cumprimentou cordialmente. Oscar era jovem quando Orlando, ainda menino, o conheceu. Ele era um tipógrafo conhecer de todo o mecanismo da arte tipográfica. Quando menino, Orlando admirava de muito aquele homem que passava a frente da sua casa levando consigo os filhos e colegas dos infantes para operar com ele em uma tipografia onde o homem trabalhava já naquele tempo como chapista, posição invejada pelos demais operários de gráfica. Ser chapista era o ponto alto de um artífice da arte gráfica. Era o homem que conhecia tudo de tipografia. O chapista dava as ordens e todos obedeciam. O tipográfico sabia muito bem de uma prensa ou até de uma linotipo.
O homem se acercou de Orlando e foi logo dizendo:
--- Há quanto tempo! Por onde andavas? Você esta empregado? – perguntou admirado Oscar Campelo.
--- Vou bem, obrigado. E estou operando os meus parcos conhecer no Ministério da Agricultura. – falou a sorrir o amigo Orlando.
--- Ora, pois! Casado? – indagou o velho Campelo a olhar com pressa para a moça Augusta.
--- Casado sim. A moça que a apresentei é a minha secretária tão somente.  – relatou Orlando Martins.
--- Ah bom. Secretária de um homem nobre! – destacou Campelo à moça presente.
Augusta de certo modo sorriu e dedicou a sua plena amizade ao velho, pois o homem estava com os seus passados setenta anos.
--- Augusta é o meu nome. Satisfação em poder conhecê-lo em hora tão oportuna. – sorriu Augusta um tanto envergonhada com aquela inesperada visita.
--- Ah bom. E como tem passado a família? – indagou Campelo se dirigindo a Orlando.
--- Todos bem. Muito obrigado! – sorriu Orlando a olhar para Augusta.
A moça não entendeu muito bem daquele modo de olhar para si do doutor Orlando Martins. Porém nada lhe perguntou naquele instante.
Com certeza, o seu Campelo atinava outra coisa. De modo que a seguir retirou do bolso do paletó uns convites para uma peça teatral naquela noite. E disse ainda que o espetáculo era o de amostra de tantos artistas locais. Entre tantos estava uma neta de Campelo.
--- Espero que assista ao espetáculo. A minha neta está no meio de toda essa gente. Tem aqui o seu nome. – e apontou o nome da neta.
--- Cristal? Belo nome. – respondeu Orlando com seu hábito de sorrir.
--- Cristal Prado. O programa suprimiu “Campelo” por ser extenso. –relatou o velho um pouco descontente.
--- É. Mesmo assim. Um nome lindo. Cristal Prado. Já pensou? Ela vai longe! – disse Orlando e passando um convite da Augusta.
--- Ela dança muito bem. Só você vendo. Ela está no meio de toda aquela gente. Mas, é bastante observar. Cristal é uma garota. Mocinha! Não tem nem namorado. E diz que não pensa nisso. Ela quer dançar. – e os olhos de Campelo se cobriram de lágrimas.
--- Isso é bom. Namorar pra que? A gente deve dar a oportunidade para quem tem gosto no que está a fazer. – respondeu com imenso tratar o doutor Orlando.
--- É o que eu sempre digo. Estude porque o estudo não se perde. – relatou Campelo enxugando as lágrimas do seu rosto.
--- Algo eu lhe devo? – quis saber Orlando apalpando a bolsa perdida no bolso da calça.
--- Não. Não é nada não. Foi um prazer te encontrar. Eu faço isso de boa vontade. – foi o que disse Campelo
--- Mas marca aqui a importância! – relatou Orlando apontando o bilhete como a despertar o homem.
--- É. Mas não é nada não. Foi um imenso prazer ter te encontrado. Há quanto tempo. Você era um menino quando eu te conheci. – declarou Campelo a enxugar as narinas.
--- Faz muito tempo. Tempo demais. Mas você ainda trabalha? – perguntou Orlando procurando alegrar a conversa.
--- Não. Eu me aposentei. Faz tempo. Agora, um trabalho ou outro em sempre faço. Na Gráfica. É. Eu peço permissão e faço os bilhetes na gráfica. Hoje está tudo moderno. Não tem mais linotipo. Sei não. - e Campelo voltou a chorar se lembrando dos velhos tempos de gráfico quando ele era chefe.
--- Mas as coisas mudam. Hoje é tudo computadorizado. No nosso tempo, era a marreta. O trabalhador não tinha Carteira de Trabalho. E se tivesse era mal visto pelo patrão. – comentou Orlando a observar a bela moça Augusta.
--- É. Esta é uma verdade. Eu fui do tempo que a gente trabalhava dez, doze horas por dia. E não tinha descanso. Era de domingo a domingo. Quem adoecesse estava posto fora. No meu tempo eu era aprendiz. E passei um bom tempo como aprendiz. Eu era menor de idade. E continuei ganhando um salário de menor até eu ter vinte e dois anos. Foi! Era um tempo difícil. – comentou Campelo a enxugar as lágrimas.
--- Você nasceu aqui? – perguntou Orlando para saber na verdade.
--- Não. Nasci nas brenhas do Para. Muito longe da capital. Eu aprendi o oficio cavando o chão. Era tudo que o homem ajeitava para mim. Eu era menino de calças curtas. Meu pai era encadernador. Oficio importante naquela época. Depois veio a febre. Meu pai morreu de febre palustre. Maleita. E eu continuei trabalhando como empregado sem carteira. Foi um tempo difícil. Minha mãe tinha nove filhos para criar. Dos nove morreram dois. Ficaram sete. Uns descaminharam. Outros foram para o sul. As meninas casaram quando chegou o tempo. Vida difícil aquela. – relembrou o velho Campelo.
Quase uma hora após o velho Campelo, com seu andar ligeiro e sempre olhando para baixo, saiu contando as horas com um punhado de ingressos na mão. Ele oferecia a um e a outro e sempre encontrava a negativa das pessoas em adquirir uma entrada do balé para aquela noite sem sossego. Um rapaz bem moço ainda passou pela calçada da beira-mar a oferecer caranguejo aos transeuntes.
--- Caranguejo, senhora? Leva dois e paga um. Dois por um! Dois por um! – estava a dizer o rapaz de calças suspensas até a metade da canela. O sujo era o que definia um apanhador de caranguejo.
As pessoas olhavam para os bichos amarados e alguém levava uma corda. O mangue era o habite natural para caranguejo uçá. A sua carapaça dura representa a resistência. Entre as pessoas estava seu Campelo a oferecer bilhete para o teatro na noite daquele dia. Nada o velho homem vendeu. E Orlando supôs ser aquela ultima viagem de um avô pobre, porém nobre. Ao sentir um aperto no peito, Orlando enxugou a lágrima a lhe descer pela face. Augusta o contemplou tão triste e disse apenas esse gesto:
--- É a vida, meu homem. É a vida! – declarou a moça a segurar as mãos de Orlando.
--- Eu sei. Eu sei. Mas um bilhete quase não vale nada. O velho está apenas querendo ajudar a neta que ele tem. Não pode ser! – disse o homem a chorar incontido.
A tarde já estava para além de duas horas. Orlando e Augusta a caminhar tranquilos, mesmo sempre a relembrar o trágico negocio do velho a oferecer as senhas para o espetáculo daquela noite. E se puseram os dois a caminhar soturnos para seguir até um ponto distante onde não havia nem hotéis, hospedarias ou mesmo cabanas de palha. A não ser uma. Essa estava abandonada por que teria acesso. O Sol ainda era quente e os passarinhos da beira mar estavam a catar algo que pudessem deglutir. No céu azul claro e límpido havia apenas o cantar dos bem-te-vis enquanto voavam para o cimo do morro. Uma jangada ao longe navegava ao seu ritmo das ondas. Um cão sem raça de cor amarelada passava contente com a cauda a balançar para o casal. Ao longe, distante ainda, um automóvel a trafegar com seu motorista em busca do seu aconchego. E não havia nem sinal naquela praia tristonha e silenciosa, salvo pelas quebradas das ondas do oceano. Bem próximo casal estava então à cabana desprovida de qualquer senhorio. Eles, então, por certo, a qualquer modo, quedaram-se loucamente ao amor.
Uma canção dolente trazida pelo vento morno enchia de enlevo aqueles dois corações embriagados de emoção e ternura como se estivessem em pleno acaso de sempre felizes e decantados para sempre ter o seu apaixonado prazer. A melodia distante e languida parecendo um fado falava, por certo, de poesia, saudades, corações embriagados de ternura e enlevo. O dia caminhava lento ao acaso sentindo a vida como se tem amor em pleno acaso de verão. Palavras não havia para dizer. Os dois plenos amantes apenas ansiavam a verdadeira chama de afeição e agrado. Delírios insanos rogavam por um instante de não poder mais esquecer, talvez morrer. O tempo girava como se a ave no azul do céu ensejava aos estranhos e felizes namorados o contemplar das vinhas do adormecer.
Um fugaz pardal acoitou a tarde e pousou bem próximo aos amantes. A moça tremeu de susto pela inesperada visita da ave solta.  E quase que gritando, Augusta se recolhe de toda.
--- Que susto! – disse Augusta levantando a mão ao seu peito a despertar.
--- Apenas um pardal. – disse o homem a sorrir.

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